terça-feira, maio 24, 2016

Muita neve e poucos "não" na Suécia


Quando escolhi fazer EVS na Suécia e me candidatei para a Mullsjö Folkhögskola, tinha mais ou menos uma ideia daquilo que procurava – viver o estilo de vida escandinavo, colocar-me num contexto completamente diferente do português, interagir com tantos estrangeiros quanto possível, viajar e aprender. O que estava longe de saber é que fazer EVS em Mullsjö seria perfeito para concretizar todos os meus objectivos.

A Folk School – não temos este conceito de escola em Portugal, que acolhe alunos que já terminaram o Ensino Secundário mas por uma razão ou por outra não desejam ir já para a Faculdade –, localiza-se numa pequena elevação junto ao lago Mullsjön, e é composta por vários edifícios. Rodeada por lagos e floresta, é um local belíssimo, agradável e acolhedor (os quartos são grandes e confortáveis), onde todo o staff, do pessoal da cozinha ao reitor, do meu tutor aos restantes professores, é muito simpático e acessível. Aproximadamente 100 alunos vivem cá em permanência, num pequeno campus. Os voluntários vivem com eles. A grande maioria dos alunos são suecos, mas, por exemplo, este ano a escola também acolheu duas japonesas, uma iraniana, uma eslovaca, um americano e uma americana e alguns finlandeses. Falo apenas do campus! A escola é frequentada por pessoas que vieram dos mais diversos locais, do Burkina Fasso à Polónia, da Hungria à Suazilândia, da Síria ao Afeganistão. É, como vêem, uma verdadeira experiência internacional. E, ao início, a curiosidade para com os voluntários é grande e torna-se relativamente fácil estabelecer o primeiro contacto com toda a gente.

A escola faculta vários cursos, de fotografia a cerâmica, de pintura a assistente social, de relações internacionais a formação para professores de alunos que necessitam de cuidados especiais. Os voluntários têm o direito de assistir às aulas de sueco para os alunos internacionais (nível básico, de sueco; aulas dadas em inglês), e toda a gente na escola pareceu estar disponível para nos acolher nas mais diversas turmas – o problema é as aulas serem dadas em sueco…
Do ponto de vista das tarefas do EVS, não poderia ser mais livre de me dedicar ao que gosto. Devemos ajudar na cozinha uma vez por semana (a cantina da escola está ao nível de um buffet de um óptimo hotel; fiquei muito surpreendido com a qualidade; o pequeno-almoço é fantástico!), temos de preparar e servir diariamente o FIKA (pausa para café da manhã) e abrir a fair-trade shop (uma a duas horas por dia); mas o tempo livre abunda (mesmo) e somos incentivados a criar actividades. Como vivo no campus, fiz facilmente amigos, criei um cineclube (passo filmes uma vez por semana) e organizo jogos de voleibol e/ou basquetebol e/ou badminton 3 a 4 vezes por semana (contando com o fim-de-semana). Sim, temos um belo pavilhão todo para nós. Além disso, durante o inverno patinei no lago gelado e divertimo-nos imenso com a neve. Como disse, o tempo livre abunda. A forma como dele desfrutas depende muito de ti.
O mesmo se passa com a nossa ligação aos alunos (especialmente aos suecos). Após o primeiro contacto, no qual até é mais ou menos provável serem eles a dar o primeiro passo, temos de ser nós a dar segundo, o terceiro, o quarto e o quinto. E continuar a dar passos. Nunca funciona, por exemplo, apenas criar uma actividade e a anunciar; é preciso construir relações primeiro, ser tão social quanto possível no campus, ganhar a confiança deles. E convidar directamente os estudantes para as actividades. E insistir. Com tempo, eles começam a aparecer e, por exemplo, a partir de finais de Outubro (cheguei em final Agosto de 2015), já tinha um grupo de amigos para fazer as actividades desportivas; outros, mais pacatos, nunca falhavam o cineclube; outros começaram eles mesmos a convidar-me para caminhadas. Hoje todo o campus é um grupo de amigos...
Com os professores é diferente: para além de simpáticos e curiosos, convidam-nos para tudo, desde jantar em casa deles com a família ou ir a um jogo de hóquei no gelo, até participar nas viagens organizadas pela turma de Relações Internacionais (à conta delas, visitei a Bratislava, Budapeste e a Bósnia – Tulza, Srebrenica e Sarajevo). Fazem tudo para nos sentirmos bem. Não conseguiria exagerar ao descrever a sua simpatia. O mesmo se aplica ao director da escola, que, tanto quanto me lembro, nunca disse um “não” ou sequer um “mas” a qualquer nosso pedido. Pessoalmente, não poderia estar mais grato.
Para não terminar esta descrição sem fazer referência às, por assim dizer, possíveis partes menos boas desta experiência, eu apenas aconselharia este EVS a pessoas que gostem de neve e que sejam relativamente independentes, que não deprimam quando solitárias. Primeiro, porque cai muita neve, aqui. Mesmo muita. Obviamente que podem simplesmente ficar no quarto ou na biblioteca ou na sala de estar, locais sempre quentes e confortáveis (passarão um Inverno menos frio que em Portugal, garanto); mas a experiência de aqui viver é muito melhor se desfrutarem da neve. Em segundo lugar, mesmo que criem relações, os suecos em geral gostam muito de passar, diariamente, uma quantidade razoável de horas sozinhos, no seu quarto. Se tens tendência a te aborrecer ou deprimir se não estás em convívio constante, viver cá pode ter os seus dias negros.

Dito isto, seja o tipo de pessoa que fores, não consigo imaginar como fazer um EVS aqui não seria uma experiência excepcional. Eu estou muito grato; e maravilhado! Tenho imensa pena que termine em breve. Acredito que contigo acontecerá o mesmo.

Pedro Ramires

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