quinta-feira, junho 21, 2018

Um algarvio em Barcelona

Oláááá! Sou o David Mota, algarvio de SVE em Barcelona! Nem sei bem por onde comece, talvez pelo início...

Pois cheguei no dia 2 de Outubro, os meus colegas de Esplai foram receber-me ao aeroporto e no segundo dia levaram-me para as ruas em plenas manifestações e greve geral por toda a cidade. Recordo-me de bandeiras estreladas pela independência da Catalunha, gente até ao horizonte, políticos que tinha visto na TV em dias anteriores. As manifestações foram pacíficas, pelo menos nesse dia, as lojas que estavam abertas iam sendo encerradas pela multidão, a policia vigiava de longe e o helicóptero era presença constante. "ELS CARRERS SERAN SEMPRE NOSTRES" era o grito de luta catalão que se ouvia por todas partes como se de uma onda sonora que percorre quarteirões se tratasse. Digamos que recebi uma boa dose de catalanidade mal tinha chegado.

Logicamente não senti um grande choque cultural, pois não são assim tããão diferentes de nós, e ainda menos para alguém que cresceu na fronteira entre Portugal e Espanha e consome bastante da sua cultura. Ainda que em certa medida "esto es Catalunya, no España" e seja como for é um facto que existem diferenças para além do idioma. Por um lado sim que entendo a vontade de uma independência perante o Estado espanhol, derivado de uma serie de diferenças culturais, legislativas e de um desajuste financeiro na distribuição regional. Ainda assim, esta não é nem de perto a minha luta, sendo eu do Reino dos Algarves esta vontade também se assemelha, ainda que a autonomia regional esta muito mal compreendida e fora dos temas a serem abordados tanto em politica como na sociedade...

Tive a sorte de arranjar um quartinho humilde, bem no centro, e de dividir a casa com uma família do Equador muito simpática. E pouco a pouco fui descobrindo como funciona a estrutura da associação que me acolheu, Esplac-Esplais Catalans. Trabalho três dias por semana no escritório no centro, onde vou dando apoio logístico, criando alguns vídeos e um que outro artigo em que possa juntar os meus conhecimentos de arte e cultura urbana aliado à educação não formal. Para além deste trabalho, dois dias por semana subo a Guinardó, onde tenho um grupo de monitores (com os quais criei uma forte amizade) e o meu grupo de crianças com as quais todos os fins de semana fazemos atividades. Estas atividades estão muitas vezes relacionadas com as problemáticas atuais e tentamos transmitir valores e ideais humanistas através de jogos, debates e diferentes dinâmicas, e de tempos a tempos fazemos também excursões e acampamentos. 


Fui recebido muito bem e sinto-me acolhido no Esplac, onde procuraram que as minhas tarefas fossem de acordo com a minha formação e dão-me liberdade de gestão de horários no caso de necessitar mudar algo. Por Guinardó encontrei uma família. Em Torxa a media de idade é de 21 anos, porém estes jovens são tão conscientes e participativos na comunidade e na educação que por vezes esqueço a "pequena" diferença de idades. Eles são uma excelente fonte de aprendizagem, sobretudo a forma como se coordenam para que o Esplai funcione. Para além desta gente tenho um grupo de crianças dos 10 aos 13 anos também muito dinâmico do qual estou "in love"! De início era "el portugués", agora já soc "el Mota" :) Como em todos os grupos, tenho rebeldes, curiosos, preguiçosos e um pouco de tudo, mas não podia estar mais grato por estes miúdos que me enchem o coração! Com eles aproveito e desafio-me a transmitir as minhas aprendizagens de cultura urbana e graffiti agregados a uma outra serie de ensinamentos morais e para além disso ajudam-me a e desenvolver o meu Catalão. 


Fiquei impressionado com a estrutura de funcionamento desta associação e com o facto de estar em ambas frentes: a de Esplac, que é a base da associação e que coordenam através dos 10 sectores catalães as questões a nível de financiamento, formações de monitores, campanhas de sensibilização, candidaturas a projecto internacionais e outras burocracias ou eventos/encontros de grande escala; a outra frente é que vai de encontro diretamente com as crianças e os jovens, são os Esplais. Há aproximadamente 105 e apesar da conexão com Esplac cada um coordena-se individualmente, pois cada um tem uma realidade diferente. O Esplai Torxa, no qual temos aproximadamente umas cem crianças e jovens, a estrutura/organização é feita através de voluntariado juvenil e é incrível como se mistura responsabilidade com informalidade, e a dedicação com que estes jovens se empenham neste projecto.



Ao contrário dos portugueses, a população é bastante participativa e apesar de ser uma cidade grande, ao sair do centro (aka parque de diversões para turismo) o sentido comunitário faz-se sentir e os jovens são bastante conscientes do que está decorrendo no país a nível politico e social. Para além de participativos também são contestatários e é impressionante como no mesmo dia em que se declara alguma decisão governamental que o povo não esteja de acordo, as ruas enchem-se de gente e as redes sociais são bombardeadas. Se és jovem e vives por BCN, poderás encontrar em média dois Casal de Joves, dois Casal de Entitats e três Centros Civic Obert por cada bairro e nestes locais terás formações, workshops, encontros juvenis e condições para ensaiar música, produzir arte e desenvolver ou ver exposições. Tudo financiando pelo Município.

No meu tempo livre aproveitei para produzir as minhas peças de arte em cortiça nos dias de chuva, e passear por esta maravilhosa cidade nos dias de sol. A cidade é incrível, primeiro de tudo pela diversidade cultural, por aqui podem-se encontrar todo o tipo de estilos, cores, piercings, cabelos, raças etc... Também skaters por toda a parte e turismo nem se fala (um pouco demasiado até), e Barcelona está plena em arte urbana e galerias ainda que a maioria delas bastante elitistas. Contudo, já tive a oportunidade de realizar duas exposições e estou preparando uma peça XL para a rua. A quantidade de "monumentos" por metro quadrado é imensa e os eventos/exposições/concertos também estão por toda a parte, uma pessoa só se aborrece se quiser. Porém nem tudo é bonito e por outro lado o extremo entre ricos e pobres faz-se sentir bastante, a quantidade de mendigos nas ruas é enorme e o assédio para comprar produtos ou serviços também é extremo principalmente nas Ramblas e na praia, trazendo uma dose de desconforto.

Em modo turismo destaco-vos locais como MACBA, mais pela "movida" que se dá frente do mesmo, plena em skateres e juventude, se fores de noite terás a sorte de encontrar grupos dançando hip-hop. É cultura urbana em estado puro! Também aconselho o skate park de Les 3 Chamineas de Drassanes. Como lugar mais peculiar e curioso destaco-vos o café/loja "El Bosc de les Fades", um lugar onde a decoração e todo o ambiente envolvente te remete para um espaço mágico e onírico. Búnkeres del Carmel é dos melhores sítios para ver BCN em 360º graus, ainda que cada vez mais invadido pelos turistas. Se vos agrada o mundo da fantasia deem um salto ao Labirinto de Encants onde poderão perder-se ao estilo "Alice no país das Maravilhas". Para concluir, uma subida ao Montjuic no canto inferior de BCN e descida até à Zona Olímpica e praça Espanya.

A língua Catalã é algo que se encontra em todas partes, todos os serviços públicos ou educativos são em Catalão, mas as pessoas adaptam-se se não entenderes. O meu voluntariado tem sido 100% Catalão e isso agrada-me muito porque apesar de ainda não o falar já o entendo bem. Não tenho como não, pois com reuniões de três horas em Catalão se ainda não o entende-se estava bem lixado :)

Este SVE permitiu-me afinar alguns pontos educativos que já vinha trabalhando em Portugal e aguçar esta minha vontade de transmitir conhecimento de um jeito não formal. Várias foram as formações que me possibilitaram, desde lingüísticas a técnicas educativas, e também se faz sentir uma abertura para a aprendizagem de assuntos não tão convencionais. Para além do SVE tive a oportunidade de fazer dois Erasmus+ por aqui, que são outra bolha de experiências dentro desta grande bolha que é o SVE e precisava de um outro artigo para falar deles com calma. O facto de estar numa cidade nova trouxe-me a oportunidade de conhecer uma enorme quantidade de gente nova e com um background muito diferente do meu. Fiz uma boa dose de amizades que já me marcaram para a vida e se por fim não ficar por cá seguramente irei voltar a visitar esta gente. Ao procurar por arte encontrei mais gente colorida que me é querida e um movimento de arte urbana muito ativo, e tudo isto começa a criar uma dúvida a respeito de voltar para Portugal. 

De qualquer forma em Outubro terei que dar um salto por Cascais e agradecer pessoalmente à Rota Jovem ;) Muito obrigado Rota Jovem pela oportunidade que me proporcionaram e a Esplac-Esplais Catalans e o Esplai Torxa por me terem recebido tão bem!