Oláááá! Sou o David Mota, algarvio de SVE em Barcelona! Nem sei bem
por onde comece, talvez pelo início...
Pois cheguei no dia 2 de
Outubro, os meus colegas de Esplai foram receber-me ao aeroporto e no segundo
dia levaram-me para as ruas em plenas manifestações e greve geral por toda a
cidade. Recordo-me de bandeiras estreladas pela independência da Catalunha, gente
até ao horizonte, políticos que tinha visto na TV em dias anteriores. As
manifestações foram pacíficas, pelo menos nesse dia, as lojas que estavam
abertas iam sendo encerradas pela multidão, a policia vigiava de longe e o
helicóptero era presença constante. "ELS CARRERS SERAN SEMPRE
NOSTRES" era o grito de luta catalão que se ouvia por todas partes como se
de uma onda sonora que percorre quarteirões se tratasse. Digamos que recebi uma
boa dose de catalanidade mal tinha chegado.
Logicamente não senti um
grande choque cultural, pois não são assim tããão diferentes de nós, e ainda
menos para alguém que cresceu na fronteira entre Portugal e Espanha e consome
bastante da sua cultura. Ainda que em certa medida "esto es Catalunya, no
España" e seja como for é um facto que existem diferenças para além do
idioma. Por um lado sim que entendo a vontade de uma independência perante o
Estado espanhol, derivado de uma serie de diferenças culturais, legislativas e
de um desajuste financeiro na distribuição regional. Ainda assim, esta não é
nem de perto a minha luta, sendo eu do Reino dos Algarves esta vontade também
se assemelha, ainda que a autonomia regional esta muito mal compreendida e fora
dos temas a serem abordados tanto em politica como na sociedade...
Tive a sorte de arranjar
um quartinho humilde, bem no centro, e de dividir a casa com uma família do
Equador muito simpática. E pouco a pouco fui descobrindo como funciona a
estrutura da associação que me acolheu, Esplac-Esplais Catalans. Trabalho três
dias por semana no escritório no centro, onde vou dando apoio logístico,
criando alguns vídeos e um que outro artigo em que possa juntar os meus
conhecimentos de arte e cultura urbana aliado à educação não formal. Para além
deste trabalho, dois dias por semana subo a Guinardó, onde tenho um grupo de
monitores (com os quais criei uma forte amizade) e o meu grupo de crianças com
as quais todos os fins de semana fazemos atividades. Estas atividades estão
muitas vezes relacionadas com as problemáticas atuais e tentamos transmitir
valores e ideais humanistas através de jogos, debates e diferentes dinâmicas, e
de tempos a tempos fazemos também excursões e acampamentos.
Fui recebido muito bem e
sinto-me acolhido no Esplac, onde procuraram que as minhas tarefas fossem de
acordo com a minha formação e dão-me liberdade de gestão de horários no caso de
necessitar mudar algo. Por Guinardó encontrei uma família. Em Torxa a media de
idade é de 21 anos, porém estes jovens são tão conscientes e participativos na
comunidade e na educação que por vezes esqueço a "pequena" diferença
de idades. Eles são uma excelente fonte de aprendizagem, sobretudo a forma como
se coordenam para que o Esplai funcione. Para além desta gente tenho um grupo
de crianças dos 10 aos 13 anos também muito dinâmico do qual estou "in
love"! De início era "el portugués", agora já soc "el
Mota" :) Como em todos os grupos, tenho rebeldes, curiosos, preguiçosos e
um pouco de tudo, mas não podia estar mais grato por estes miúdos que me enchem
o coração! Com eles aproveito e desafio-me a transmitir as minhas aprendizagens
de cultura urbana e graffiti agregados a uma outra serie de ensinamentos morais
e para além disso ajudam-me a e desenvolver o meu Catalão.
Fiquei impressionado com
a estrutura de funcionamento desta associação e com o facto de estar em ambas
frentes: a de Esplac, que é a base da associação e que coordenam através dos 10
sectores catalães as questões a nível de financiamento, formações de monitores,
campanhas de sensibilização, candidaturas a projecto internacionais e outras
burocracias ou eventos/encontros de grande escala; a outra frente é que vai de
encontro diretamente com as crianças e os jovens, são os Esplais. Há
aproximadamente 105 e apesar da conexão com Esplac cada um coordena-se
individualmente, pois cada um tem uma realidade diferente. O Esplai Torxa, no
qual temos aproximadamente umas cem crianças e jovens, a estrutura/organização
é feita através de voluntariado juvenil e é incrível como se mistura
responsabilidade com informalidade, e a dedicação com que estes jovens se
empenham neste projecto.
Ao contrário dos
portugueses, a população é bastante participativa e apesar de ser uma cidade
grande, ao sair do centro (aka parque de diversões para turismo) o sentido
comunitário faz-se sentir e os jovens são bastante conscientes do que está
decorrendo no país a nível politico e social. Para além de participativos
também são contestatários e é impressionante como no mesmo dia em que se
declara alguma decisão governamental que o povo não esteja de acordo, as ruas
enchem-se de gente e as redes sociais são bombardeadas. Se és jovem e vives por
BCN, poderás encontrar em média dois Casal de Joves, dois Casal de Entitats e
três Centros Civic Obert por cada bairro e nestes locais terás formações,
workshops, encontros juvenis e condições para ensaiar música, produzir arte e
desenvolver ou ver exposições. Tudo financiando pelo Município.
No meu tempo livre
aproveitei para produzir as minhas peças de arte em cortiça nos dias de chuva,
e passear por esta maravilhosa cidade nos dias de sol. A cidade é incrível,
primeiro de tudo pela diversidade cultural, por aqui podem-se encontrar todo o
tipo de estilos, cores, piercings, cabelos, raças etc... Também skaters por
toda a parte e turismo nem se fala (um pouco demasiado até), e Barcelona está
plena em arte urbana e galerias ainda que a maioria delas bastante elitistas.
Contudo, já tive a oportunidade de realizar duas exposições e estou preparando
uma peça XL para a rua. A quantidade de "monumentos" por metro
quadrado é imensa e os eventos/exposições/concertos também estão por toda a
parte, uma pessoa só se aborrece se quiser. Porém nem tudo é bonito e por outro
lado o extremo entre ricos e pobres faz-se sentir bastante, a quantidade de
mendigos nas ruas é enorme e o assédio para comprar produtos ou serviços também
é extremo principalmente nas Ramblas e na praia, trazendo uma dose de
desconforto.
Em modo turismo
destaco-vos locais como MACBA, mais pela "movida" que se dá frente do
mesmo, plena em skateres e juventude, se fores de noite terás a sorte de
encontrar grupos dançando hip-hop. É cultura urbana em estado puro! Também
aconselho o skate park de Les 3 Chamineas de Drassanes. Como lugar mais
peculiar e curioso destaco-vos o café/loja "El Bosc de les Fades", um
lugar onde a decoração e todo o ambiente envolvente te remete para um espaço
mágico e onírico. Búnkeres del Carmel é dos melhores sítios para ver BCN em
360º graus, ainda que cada vez mais invadido pelos turistas. Se vos agrada o
mundo da fantasia deem um salto ao Labirinto de Encants onde poderão perder-se
ao estilo "Alice no país das Maravilhas". Para concluir, uma subida
ao Montjuic no canto inferior de BCN e descida até à Zona Olímpica e praça
Espanya.
A língua Catalã é algo
que se encontra em todas partes, todos os serviços públicos ou educativos são
em Catalão, mas as pessoas adaptam-se se não entenderes. O meu voluntariado tem
sido 100% Catalão e isso agrada-me muito porque apesar de ainda não o falar já
o entendo bem. Não tenho como não, pois com reuniões de três horas em Catalão
se ainda não o entende-se estava bem lixado :)
Este SVE permitiu-me
afinar alguns pontos educativos que já vinha trabalhando em Portugal e aguçar
esta minha vontade de transmitir conhecimento de um jeito não formal. Várias
foram as formações que me possibilitaram, desde lingüísticas a técnicas
educativas, e também se faz sentir uma abertura para a aprendizagem de assuntos
não tão convencionais. Para além do SVE tive a oportunidade de fazer dois
Erasmus+ por aqui, que são outra bolha de experiências dentro desta grande
bolha que é o SVE e precisava de um outro artigo para falar deles com calma. O
facto de estar numa cidade nova trouxe-me a oportunidade de conhecer uma enorme
quantidade de gente nova e com um background muito diferente do meu. Fiz uma
boa dose de amizades que já me marcaram para a vida e se por fim não ficar por
cá seguramente irei voltar a visitar esta gente. Ao procurar por arte encontrei
mais gente colorida que me é querida e um movimento de arte urbana muito ativo,
e tudo isto começa a criar uma dúvida a respeito de voltar para Portugal.
De qualquer forma em
Outubro terei que dar um salto por Cascais e agradecer pessoalmente à Rota
Jovem ;) Muito obrigado Rota Jovem pela oportunidade que me proporcionaram e a
Esplac-Esplais Catalans e o Esplai Torxa por me terem recebido tão bem!
Sem comentários:
Enviar um comentário