terça-feira, março 18, 2014

Só é preciso olhar

O Tiago e o Gustavo têm 3 anos. Se calhar um dia eles também vão fazer parte da Rota Jovem mas para já, são amigos e partilham várias horas do dia juntos. Partilham também jogos, risos, pequenas zaragatas e sobretudo, aprendizagens. Porque Tiago e Gustavo, da mesma forma que os seus 18 colegas de turma, experimentam, descobrem e aprendem juntos na creche pré-escolar gerida pela Associação de Actividades Sociais do Bairro 2 de Maio na Ajuda, um bairro lisboeta tradicionalmente desfavorecido em termos socioeconómicos, com altas taxas de iliteracia e desemprego e níveis de exclusão mais altos do que em outras áreas da cidade que pouco a pouco se estão a corrigir. 

E a sua creche é, aliás, especial. Muito especial. Não apenas porque eles, os 20 sem exceção, são excepcionais (e acreditem no que digo). É também porque lá trabalham voluntários SVE que, através da Associação Literatura, Literacia e Medicação (ALEM), organizam e dinamizam actividades e workshops que complementam e enriquecem a sua educação. A Emma e o Ali são dois desses voluntários, e eles conseguem que o espaço de uma manhã qualquer de Março se converta em um espaço cheio de patinhos, borboletas e corações de chocolate, e que os miúdos abram os olhos, curiosos, atentos, ainda mais do que em qualquer outro momento. Guiados por Cândida, a sua educadora e o principal apoio dos voluntários nas suas tarefas, os meninos experienciam com as formas, as cores, os cheiros e os nomes dos ingredientes que utilizam para fazer a massa das bolachas com que sujam as mãos com grande prazer infantil e um sorriso gigante no rosto. Cada sucesso ao amassar é uma pequena vitória que eles querem partilhar e é com a imensa satisfação de terem preparado o seu próprio lanche (e ao ritmo de uma música bastante de acordo com a situação,"é tempo de sorrir, é tempo de brincar") que eles vão para o recreio.

O trabalho da Emma e do Ali ainda continua no pátio, onde eles também jogam, correm e riem. "Os miúdos gostam deles e a relação é muito boa. Gostam de brincar uns com os outros", reconhece Cândida, que nos 37 anos que trabalha na creche já tem visto muitos jovens voluntários passar por cá. "A presença dos voluntários europeus é importante, também para a sua própria socialização. Aprendem mais rápido português e adaptam-se melhor". É igualmente importante para as crianças, sobretudo porque na creche integram-se também meninos com necessidades especiais, entre os que há um miúdo autista e outro com problemas de desenvolvimento. Nestes casos, a Associação trabalha em parceria com a Fundação Liga, que acompanha as tarefas de seguimento e apoio às crianças e que conta também com a colaboração dos voluntários para o desenvolvimento das suas tarefas.


 




Lá, os miúdos também adoram os voluntários, "é bom para não cair em rotina, são ideias novas e é bom quebrar as rotinas dos rapazes", diz André, auxiliar de ocupação em Liga desde há 12 anos. À pergunta sobre se gosta do seu trabalho, não há sombra de dúvida na resposta: "Gosto muito, é difícil de explicar, mas é mesmo gostar disto". É que o trabalho com pessoas com capacidades diferentes às que se consideram normais é sempre um desafio e portanto, as satisfações são maiores. A Casa das Artes que a Fundação tem em funcionamento também no bairro de Ajuda serve para que estas pessoas possam estimular o seu potencial criativo através de ateliers de cerâmica, musicoterapia, dança inclusiva e artes plásticas. Neste último, é onde a Emma colabora com o seu talento artístico e um sorriso permanente na dinamização do espaço dedicado ao papel maché onde, por acaso, é o bom humor que marca a tónica. Brincadeira atrás de brincadeira, os bonecos de papel vão ganhando forma ao mesmo tempo que os objetivos anuais marcados para os miúdos vão sendo atingidos. Para André, "cada um dos utentes tem a sua capacidade, cá trabalhamos precisamente isso. Uma vez conseguidos, os objetivos vão mudando até chegarem a um ponto de conseguirem fazer tudo sozinhos".



Assim, em um tempo em que crianças e pessoas  portadoras de deficiência são dois dos coletivos sociais mais particularmente vulneráveis e que portanto, mais atenções precisam, as ações que realizam entidades como a Associação de Actividades Sociais do Bairro 2 de Maio e a Fundação Liga são mais importantes do que nunca. E o trabalho que os voluntários europeus lá fazem contribui sem dúvida à excelência dessas ações. Às vezes acontece que essas pessoas com necessidades mais urgentes estão mesmo ao pé de nós. Às vezes só é preciso olhar, só é preciso querer ver, é só achares que estás a ajudar a alguém.


@ arrotante do momento!:
ELENA Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso.

sexta-feira, março 14, 2014

Esticar o braço, sorrir, disparar!

Já passou mais de uma semana e ainda continuamos a falar dos Óscares. Ou mais ou menos, porque do que ainda falamos (nós e meio mundo) é da já célebre selfie das celebrities na gala do domingo. E também da já famosa entrada no Twitter que deu a conhecer a fotografia em questão e que teve mais de três milhões de retwitts em dois dias, convertendo-se assim num conteúdo viral que é para já o mais retwuittado da história. 

Porém, o que é que é exatamente uma selfie e o que é que o faz tão especial? O Dicionário Oxford, que até a escolheu como palavra do ano 2013, define-a como "uma fotografia que alguém faz de sim próprio, tipicamente a tirada com um smartphone ou uma webcam e colocada no site de uma rede social". Mas quem é que não tirou alguma vez uma fotografia de si próprio, sobretudo quando as câmaras ainda funcionavam com película e era preciso acabar o filme? Assim sendo, a questão da selfie não é algo assim tão novo, e de facto já os primeiros fotógrafos lá pelo século XIX utilizavam o auto-retrato como canal de experimentação e exploração desse novo meio de expressão que estava a nascer. E mais ainda, se temos em conta o facto de que pintores de todos os tempos como Delacroix, Van Gogh ou Frida Kahlo, para citarmos apenas alguns, se tenham retratado desde sempre a si próprios nas suas pinturas. A diferença, claro, é que depois eles não colocavam o resultado final no Facebook para começar a coleccionar likes

O certo é que agora que a tendência se tornou fenómeno e as redes sociais estão mesmo inundadas desta "nova" modalidade de retrato, são muitas as reflexões sobre as consequências da loucura pela selfie. Para além do lado estritamente social da exposição pessoal partilhada que é evidente e inerente à própria noção de selfie, os psicólogos têm observado impactos não tão positivos para a saúde mental das pessoas que vão longe de mais nessa exposição. O professor da Duke University Mark Leary diz que "as pessoas precisam que os outros saibam dos factos positivos das suas vidas para atrair e manter a atenção social". A selfie satisfaz esta necessidade, ao mesmo tempo que transmite aos demais exatamente a imagem pública que queremos que tenham de nós. Neste ponto concorda também o professor Robert Arkin, que acrescenta que a selfie é "uma forma de controlar a imagem que os outros têm de nós, desse eu que criamos para eles". Isto leva a que mesmo alguns especialistas tenham alertado dos perigos do "síndrome selfie" nas redes sociais, com implicações que vão ainda mais além.


The Best Computer Science School


Estar continuamente dependentes de comunicarmos a nossa imagem e a busca pela aprovação externa dessa imagem têm a ver com a vaidade extrema e a necessidade de sermos aceites, mas também pode colocar-nos numa situação de vulnerabilidade perante a predisposição a sofrer problemas de depressão e ansiedade, segundo se desprende também de um estudo da Stony Brook University. 

Mas a selfie e as redes sociais até dão para fazer algumas brincadeiras se não o levarmos tão a sério e se soubermos usá-lo com moderação. No Urban Dictionary, que também conta com a sua própria definição, não perdem a oportunidade de brincar e para eles se alguém tira uma selfie é sinal inequívoco de que "não tem amigos para tirar fotografias dele e anda à procura de amigos no MySpace para publicar fotografias deles próprios tiradas por eles próprios". É o Urban Dictionary que o diz, não somos nós. Seja como for, com amigos ou sem amigos, à procura deles ou não, já testaste a tua habilidade nessa arte de esticar o braço, colocar o melhor dos teus sorrisos e apertar o disparador?



@ arrotante do momento!:
ELENA Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso.

quarta-feira, março 12, 2014

Carimbo Internacional: O projeto SVE do João Castro


Hoje rumamos à Holanda, onde o João Castro começou o seu projeto enquanto voluntário SVE há uns meses. Parece-nos bem ambientado e contente com o que está a fazer e está a ter uma ótima experiência! Lê mais em baixo:

"Já passaram dois meses! Nem acredito, parece que foram dois dias, têm sido tantas as novas experiências que nem dou pelo tempo passar. A adaptação foi excelente, parece que me identifico com o modo de vida holandês, apesar de ainda não ter aprendido muito da língua, só mesmo o básico. Ommen é uma vila rural muito bonita e pacífica e adoro percorrê-la com a minha bicicleta.




As pessoas que fazem parte da Fundação onde sou voluntário (Olde Vechte Foundation) e os restantes voluntários também facilitaram bastante a adaptação, pois identificamo-nos uns com os outros em termos de valores, apesar das devidas diferenças culturais e de personalidade, que são muitas, há já boas amizades construídas. 
Tenho feito um pouco de tudo por aqui: jardinagem e manutenção do edifício da Fundação, trabalho num abrigo de animais domésticos, onde ajudo na limpeza e levo os animais a passear, e também numa escola para crianças com dificuldades de aprendizagem, em que dou assistência nas aulas e faço parte da manutenção do espaço escolar.  
Sinto que estou a ajudar e a aprender sempre, por isso estou a adorar esta oportunidade. Venham mais dez meses de novas experiências e aprendizagens."


 «Se também procuras a tua experiência de SVE, fica atento às sessões de esclarecimentos na Rota Jovem e consulta as vagas abertas em sve.rotajovem.com»

 

quinta-feira, março 06, 2014

Rot@s lá Fora: O primeiro Ciao do Jorge!



No nosso percurso pela Europa, encontrámos mais um arrotante por terras italinas. O Jorge Amaral anda por Pádua a espalhar boa energia e é mais um dos participantes do Animation Lab, o projeto de estágios profissionais do programa Leonardo da Vinci. Imaginam o que é viver durante cinco meses em Itália? Fiquem a conhecer a sua experiência em seguida:


"Padova é uma cidade vivaça e extremamente bela, regeada de monumentos grandiosos e extensas praças. É servida de uma boa rede de transportes públicos. De salientar que em hora de ponta o metro suburbano é caótico, assim como os comboios que se desloncam para as cidades vizinhas, onde por exemplo é possível ir até Veneza sempre de pé sem nunca haver lugar para nos sentarmos. 

O corropio de bicicletas é frenético por toda a cidade, havendo inclusivé pessoas que não têm carro, usando apenas o metro suburbano e a bicicleta. É frequente ver pessoas bastante idosas a pedalar, onde a bicicleta é um meio essencial na preservação das capacidades motoras. 


No que respeita ao modo de conduzir dos italianos, é como que se estivessem constantemente numa prova de formula 1, entre travagens e acelarações repentinas, peões que parecem invisíveis aos carros, ser-se contornado pelas motos nas passadeiras, sofrer razias pelos carros. No entanto com o hábito, deixa de ser um tormento.

Padova detém o título da maior praça da europa, designada de Prato della Valle. Local priviligiado para os passeios de fim de semana. Possuí também a Universidade de Medicina mais antiga da europa e a segunda Universidade mais antiga do mundo. O Palazzo della Ragione, foi o maior mercado do mundo, à época, a ser construído, data de 1218.

O centro histórico é arquitetónicamente belo, as ruas são estreitas e toda a cidade é repleta de arcadas, onde a diversidade de estilos de arcos é imensa, sendo uma das heranças da era medieval. Caminhar no centro histórico à noite dá-nos a sensação do regresso ao passado, onde a luz emitida pelos candeieiros se acemelha à luz dos antigos candeeiros a petróleo. Uma curiosidade do centro histórico é a proibição de circulaçao de carros, apenas são permitidas motos e bicicletas.

É uma cidade bastante multicultural, é frequente vere-se africanos, chineses, japoneses, indianos, pessoas de leste europeu e dos países árabes e muçulmanos.

Por toda a cidade ouvem-se sinos, melodia esta, preservada ao longo dos tempos. Num dos pequenos  canais que atravessam a cidade é possível ver alguns barcos, o que nos faz lembrar logo veneza. Os habitantes de Padova em geral são bastante simpáticos e corteses. Em suma, é uma cidade bastante agradável para se viver"



segunda-feira, março 03, 2014

And the Oscar goes to...

Não ganhou, mas bem poderia ter ganho. O Óscar do Melhor Filme que foi atribuído a 12 Anos Escravo era também bem merecido por Nebraska, o último trabalho de Alexander Payne. Rodado a branco e preto e com um ar pretensamente Indie já desde os créditos iniciais, conta uma história e conta-a bem; o que não é pouco num tempo em que às vezes os cineastas parecem esquecer que o cinema consiste precisamente nisso: em contar histórias.  

12 Anos Escravo, no entanto, não conta nada. Este filme partiu com a vantagem de ter metade do trabalho feito, por tratar-se de um cenário adaptado repleto de uns factos reais muito poderosos, mas mesmo assim não consegue criar a empatia do espetador. Há que reconhecer que o filme está cheio de planos formosos enfeitados com música linda, mas que não chegam para engradecê-lo: falta garra. Para além disso, beleza não significa narração e é facto assente que a escravidão foi (e é) uma coisa má, pelo que o reforço da ideia e o jeito de contar a história de Steve McQueen não acrescenta nada, torna toda a experiência cinematográfica totalmente insípida e carente de novidade. Mas voltemos a Nebraska, que é o que realmente interessa aquí e agora.




O filme de Payne, ainda sem apresentar uma grande inovação argumental, faz com que o público participe de uma história por vezes cómica, por vezes trágica que consegue arrancar do espetador um sorriso e colocá-lo numa posição de empatia com a personagem principal e com aquelas outras personagens que a rodeiam. Este velhote quase senil (magistralmente interpretado por Bruce Dern) quer percorrer um longo caminho até Nebraska para cobrar um prêmio de um milhão de dólares que lhe foi concedido através de uma carta promocional porque ele, simplesmente, "acredita no que as pessoas lhe dizem". A viagem converte-se no frágil sustento dos planos de futuro do Woody e ao mesmo tempo, em um olhar para o passado da sua vida em que o acompanha o seu filho menor. Não é apenas uma questão de dinheiro, mas algo mais que vai para além disso, que tem a ver com a reafirmação pessoal e com a necessidade de ter um objectivo que se transforme numa pulsão vital mesmo em um momento em que a vida parece não ter muito mais para oferecer. Mas a vida sempre tem sempre algo para nos dar, segundo se despreende nesta história.

Que as obras nomeadas aos Óscares na categoria do melhor filme estão bem feitas é algo garantido, e não se nega que é o caso do filme vencedor deste ano. 12 Anos Escravo é um filme visualmente agradável e tecnicamente bem feito. Mas não passa daí, e infelizmente a história não diz nada. Os que não ganharam ontem também são filmes impecáveis na forma e na sua construção. No caso desta pequena jóia que é Nebraska, que por acaso até é um argumento original, o filme transmite-nos mais, mexe com o espectador, faz-nos reflectir. Perante a dúvida de onde é que devemos investir os próximos quase 6 euros que custa de média um bilhete de cinema, e agora que toda a gente vai querer ver a obra vencedora deste ano, sempre é melhor investir-os nos filmes em sabemos que o responsável por detrás da câmara tem algo interessante preparado para nós.







@ arrotante do momento!:
ELENA Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso.