sexta-feira, novembro 30, 2018

A aventura do Emanuel na Roménia - Voluntariado Internacional

Este é a história da aventura pela Roménia do Emanuel Silveira, voluntário da Rota Jovem, que está desenvolvendo o Projeto EVS “Make It Happen” no Centro de Escuteiros de Nocrich, uma pequena vila rural a cerca de 36 km da cidade de Sibiu e a 300km da capital - Bucareste, desde 12 de julho de 2018 até 31 de dezembro de 2018.








Uma imagem nem sempre mostra aquilo que parece mostrar.


Nesta foto vemos um voluntário a descansar e não apenas a dormir nas “palhinhas” ou viver “uma boa vida.
Uma “boa vida” que se resumem a 4 meses cheios de novas experiências, lugares e pessoas incríveis, repletos de sentimentos, conhecimentos e novas amizades que permitiram a criação de laços, motivações e novos objetivos pessoais.
Mas com tanta coisa a acontecer, foi preciso pensar como e o que é que podia ser feito para melhorar o Centro de Escuteiros e a comunidade local e, também, de que forma poderia fazer desta aventura uma grande experiência para a sua vida. Para isso, este voluntário de Portugal teve de pedir ajuda, começando por um outro voluntário de França.
Foram várias horas de conversação, troca de ideias e opiniões. Pintaram-se muitas paredes, cortou-se muita relva, trabalhou-se em cerâmica, mas sempre em brincadeira e animação para tentar perceber o que se poderia fazer de melhor aqui neste Centro de Escuteiros e, ao mesmo tempo, na comunidade local.
Com algumas respostas e concelhos no bolso, este voluntário não desistiu e decidiu ir mais além em busca de respostas para além do espaço físico do Centro de Escuteiros. A sabedoria de quem tem mais experiência e conhecimento prevaleceu, valendo na orientação do voluntário uma maior abertura das suas perspetivas e objetivos.
Desta orientação resultou uma grande ligação (e uma apanha de uva em companhia com outros voluntários do Centro).
Ter a possibilidade de compartilhar os mesmos pensamentos e sentimentos com esta família fez-me perceber que me identifico muito com estas pessoas e com mesmo com o projeto que estou desenvolvendo aqui. Por esta razão, a maioria das expectativas iniciais e motivações para se envolver no projeto permitiram perceber que há muito mais a ser feito e que seria possível alcançar outros objetivos não apenas no Centro de Escuteiros, mas também sobre ele próprio.
Mas estas ideias e experiências ainda não satisfizeram o voluntário. Ainda faltava algo que realmente prevalece-se e mostrasse ser de real valor em todas estas experiências em Nocrich. Ele procurou, escavou, caminhou, explorou para além da sua zona de conforto.
Foi então que ele descobriu que tinha que meter mãos à obra e materializar algo que demonstrasse aquilo que ele realmente pretendia. Começou com algumas pequenas obras, tentativas de entrar em algo fora do seu conhecimento tais como pinturas, desenhos, cerâmica.
A satisfação foi imensa, como também a aprendizagem e a aquisição de novos conhecimentos. Parecia que, apesar de ter a oportunidade de partilhar algum do seu conhecimento com os restantes voluntários e, ao mesmo tempo, explorar algumas situações fora da sua zona de conforto, ainda não era suficiente. Havia ainda muito mais que fazer e explorar, não só no Centro de Escuteiro e na própria comunidade, mas também nele própria capacidade de aprender e experienciar algo mais.
Seguiram-se muitos outros momentos de busca de respostas e possíveis respostas para atingir algo mais.
Foram momentos com muitas outras pessoas romenas, peruanas, polacas, kosovares, lituanos, franceses, tudo da comunidade local ou voluntários desenvolvendo o projeto EVS em outras partes da Roménia, como também outros voluntários que não estando a desenvolver voluntariado através do programa ERASMUS +, contribuíram para adquirir conhecimentos e orientações sobre o que realmente fazer em relação à sua experiência.
Aquilo que era certo para o próprio voluntário era que as expectativas em relação ao projeto e à experiência em si eram essencialmente, por um lado, sobre o seu desenvolvimento pessoal, como encontrar novas formas de participar em diferentes atividades que permitissem ganhar alguns conjuntos de habilidades (hard e especialmente soft skills) para aprender a lidar com situações fora da sua zona de conforto. Mas o tempo está a ficar em pouco, algumas desmotivações e momentos difíceis
Com todas as experiências vividas pelo o voluntário, este aprendeu a nunca cruzar os braços ou desmotivar porque algo correu mal ou não correu de acordo com aquilo que havia sido planeado.
Existia a possibilidade de explorar e conhecer muitos mais lugares e pessoas. A vontade era tanta que acabou até por tentar procurar respostas junto dos animais e ir ainda mais longe junto da comunidade local até que a real felicidade estava mesmo ao virar da esquina.
Foi então que o voluntário descobriu a real felicidade. Junto das crianças e das atividades desenvolvidas em conjunto com o Centro de Escuteiros de Nocrich, o voluntário encontrou novas formas de desenvolver o seu conhecimento como também a sua força de vontade em fazer mais e melhor para que fosse possível criar felicidade não só junto das crianças, mas também junto de toda a família Nocrich.
Depois de tudo isto, foi merecido outro descanso porque apesar de ter feito já muita coisa, muitas outras aventuras o esperam porque sim, tudo é possível aqui em Nocrich, basta só sonhar e acreditar.

segunda-feira, agosto 27, 2018

Borboleta, Butterfly, Farfalla, Papillon, Mariposa, Schmetterling!.. e Pizza! - Giuliana e Ana em SVE na Itália





Ciao! Recém-chegadas a Portugal, nós somos Ana Luísa e Giuliana! Acabamos de terminar nosso Short-term SVE em Itália e decidimos compartilhar um pouco dessa experiência incrível com vocês através de palavras que nos remetem para histórias e momentos vividos!


A nossa aventura começou no dia 17 de Junho quando aterramos pela primeira vez numa cidade completamente desconhecida, Torino, cheias de expectativas e entusiasmadas para iniciar este projeto de voluntariado em áreas suburbanas e conhecer a cultura italiana durante os próximos dois meses.

OK!

Nossa primeira aventura foi a descoberta dessa amizade que criámos. Nunca tendo morado na mesma cidade e vindo de dois países diferentes, conciliamos nossas culturas e aprendemos uma nova juntas. Podemos dizer que todos os dias fazíamos uma nova descoberta e aprendemos alguma coisa nova, nem que fosse uma simples palavra em italiano. “OK” é aquela palavra que de certa forma nos liga e está associada à ideia de aceitar um novo desafio, fazer algo diferente.


Borboleta, Butterfly, Farfalla, Papillon, Mariposa, Schmetterling!

Outra experiência marcante foi sem dúvida o facto de conhecer pessoas de diversos países com diferentes ideias, costumes e formas de pensar. Borboleta é a palavra que aprendemos em diversas línguas e para nós representa essa multiculturalidade e a interação com os outros voluntários, com os nossos colegas de casa, com os nossos colegas de trabalho, com as pessoas conhecemos no Intercâmbio de Jovens ou até mesmo com o senhor que trabalhava na pizzaria onde íamos comer pizza normalmente.


MADIBA

A cooperativa para a qual trabalhamos no primeiro mês e onde fizemos imensas coisas diferentes. Durante a parte da manhã estávamos envolvidas na organização das atividades do projeto R- Estate com jovens adolescentes (14 - 18 anos). Fazíamos de tudo um pouco que possam imaginar, desde pintar bancos de jardim, apanhar ervas daninhas, atividades de grupo que dinamizam o espírito de trabalho em equipa e o sentido de responsabilidade social. À tarde estávamos no escritório da cooperativa e desenvolvemos atividades como torneios de ping-pong e jogos de basket com os jovens do município de Beinasco. Também foram organizadas outras atividades fora do “spazio Giovanne” como, por exemplo, um dia no parque aquático e uma visita a uma casa que foi confiscada à máfia. Ainda com esta associação, também participamos num Youth Exchange com jovens da Itália e Irlanda através de atividades como um “treasure hunt” em Torino e atividades desportivas na sede da associação.


EUFEMIA
Essa foi a associação que nos acolheu e com a qual interagimos mais no segundo mês da nossa experiência. Para além do tandem italiano-inglês e do “language club” que fazíamos no escritório desde o início, acompanhamos e participamos na organização de um Intercâmbio de Jovens sobre Urban Sustainability. Aqui tivemos a oportunidade de organizar “energizers” e partilhar a nossa experiência SVE com os participantes do projeto. Além disso, ainda participamos em workshops de culinária, de skateboarding, slackline, entre outros, onde ao fazer algo diferente nos desafiamos a nós próprias e aos participantes do projeto.


PASTA
Com essa palavra podemos associar todas as refeições típicas que tivemos em Itália. Cada jantar com nossos amigos, ou almoços nas casas das Mammas italianas. Essas refeições foram sempre muito importante para nós, porque assim podemos aprender uma parte muito significante na cultura italiana. Sempre tentávamos praticar nosso italiano e aprender as receitas típicas e alguns costumes que eles possuem como, por exemplo, o modo de brindar e cozinhar pasta correctamente. O aprendizado dessas simples coisas nos trazia mais perto da cultura italiana.


Grazie Mille per tutto!

Penso que para concluir, só podemos dizer muito obrigada e que apoio não nos faltou em nenhuma ocasião. Quer por parte das associações em Itália, colegas de casa, outros voluntários e pela Rota Jovem. Por isso, se estão a considerar fazer uma experiência semelhante e têm alguma dúvida podem contactar-nos. Teremos todo o gosto em partilhar convosco a experiência e esclarecer qualquer dúvida que tenham
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quinta-feira, junho 21, 2018

Um algarvio em Barcelona

Oláááá! Sou o David Mota, algarvio de SVE em Barcelona! Nem sei bem por onde comece, talvez pelo início...

Pois cheguei no dia 2 de Outubro, os meus colegas de Esplai foram receber-me ao aeroporto e no segundo dia levaram-me para as ruas em plenas manifestações e greve geral por toda a cidade. Recordo-me de bandeiras estreladas pela independência da Catalunha, gente até ao horizonte, políticos que tinha visto na TV em dias anteriores. As manifestações foram pacíficas, pelo menos nesse dia, as lojas que estavam abertas iam sendo encerradas pela multidão, a policia vigiava de longe e o helicóptero era presença constante. "ELS CARRERS SERAN SEMPRE NOSTRES" era o grito de luta catalão que se ouvia por todas partes como se de uma onda sonora que percorre quarteirões se tratasse. Digamos que recebi uma boa dose de catalanidade mal tinha chegado.

Logicamente não senti um grande choque cultural, pois não são assim tããão diferentes de nós, e ainda menos para alguém que cresceu na fronteira entre Portugal e Espanha e consome bastante da sua cultura. Ainda que em certa medida "esto es Catalunya, no España" e seja como for é um facto que existem diferenças para além do idioma. Por um lado sim que entendo a vontade de uma independência perante o Estado espanhol, derivado de uma serie de diferenças culturais, legislativas e de um desajuste financeiro na distribuição regional. Ainda assim, esta não é nem de perto a minha luta, sendo eu do Reino dos Algarves esta vontade também se assemelha, ainda que a autonomia regional esta muito mal compreendida e fora dos temas a serem abordados tanto em politica como na sociedade...

Tive a sorte de arranjar um quartinho humilde, bem no centro, e de dividir a casa com uma família do Equador muito simpática. E pouco a pouco fui descobrindo como funciona a estrutura da associação que me acolheu, Esplac-Esplais Catalans. Trabalho três dias por semana no escritório no centro, onde vou dando apoio logístico, criando alguns vídeos e um que outro artigo em que possa juntar os meus conhecimentos de arte e cultura urbana aliado à educação não formal. Para além deste trabalho, dois dias por semana subo a Guinardó, onde tenho um grupo de monitores (com os quais criei uma forte amizade) e o meu grupo de crianças com as quais todos os fins de semana fazemos atividades. Estas atividades estão muitas vezes relacionadas com as problemáticas atuais e tentamos transmitir valores e ideais humanistas através de jogos, debates e diferentes dinâmicas, e de tempos a tempos fazemos também excursões e acampamentos. 


Fui recebido muito bem e sinto-me acolhido no Esplac, onde procuraram que as minhas tarefas fossem de acordo com a minha formação e dão-me liberdade de gestão de horários no caso de necessitar mudar algo. Por Guinardó encontrei uma família. Em Torxa a media de idade é de 21 anos, porém estes jovens são tão conscientes e participativos na comunidade e na educação que por vezes esqueço a "pequena" diferença de idades. Eles são uma excelente fonte de aprendizagem, sobretudo a forma como se coordenam para que o Esplai funcione. Para além desta gente tenho um grupo de crianças dos 10 aos 13 anos também muito dinâmico do qual estou "in love"! De início era "el portugués", agora já soc "el Mota" :) Como em todos os grupos, tenho rebeldes, curiosos, preguiçosos e um pouco de tudo, mas não podia estar mais grato por estes miúdos que me enchem o coração! Com eles aproveito e desafio-me a transmitir as minhas aprendizagens de cultura urbana e graffiti agregados a uma outra serie de ensinamentos morais e para além disso ajudam-me a e desenvolver o meu Catalão. 


Fiquei impressionado com a estrutura de funcionamento desta associação e com o facto de estar em ambas frentes: a de Esplac, que é a base da associação e que coordenam através dos 10 sectores catalães as questões a nível de financiamento, formações de monitores, campanhas de sensibilização, candidaturas a projecto internacionais e outras burocracias ou eventos/encontros de grande escala; a outra frente é que vai de encontro diretamente com as crianças e os jovens, são os Esplais. Há aproximadamente 105 e apesar da conexão com Esplac cada um coordena-se individualmente, pois cada um tem uma realidade diferente. O Esplai Torxa, no qual temos aproximadamente umas cem crianças e jovens, a estrutura/organização é feita através de voluntariado juvenil e é incrível como se mistura responsabilidade com informalidade, e a dedicação com que estes jovens se empenham neste projecto.



Ao contrário dos portugueses, a população é bastante participativa e apesar de ser uma cidade grande, ao sair do centro (aka parque de diversões para turismo) o sentido comunitário faz-se sentir e os jovens são bastante conscientes do que está decorrendo no país a nível politico e social. Para além de participativos também são contestatários e é impressionante como no mesmo dia em que se declara alguma decisão governamental que o povo não esteja de acordo, as ruas enchem-se de gente e as redes sociais são bombardeadas. Se és jovem e vives por BCN, poderás encontrar em média dois Casal de Joves, dois Casal de Entitats e três Centros Civic Obert por cada bairro e nestes locais terás formações, workshops, encontros juvenis e condições para ensaiar música, produzir arte e desenvolver ou ver exposições. Tudo financiando pelo Município.

No meu tempo livre aproveitei para produzir as minhas peças de arte em cortiça nos dias de chuva, e passear por esta maravilhosa cidade nos dias de sol. A cidade é incrível, primeiro de tudo pela diversidade cultural, por aqui podem-se encontrar todo o tipo de estilos, cores, piercings, cabelos, raças etc... Também skaters por toda a parte e turismo nem se fala (um pouco demasiado até), e Barcelona está plena em arte urbana e galerias ainda que a maioria delas bastante elitistas. Contudo, já tive a oportunidade de realizar duas exposições e estou preparando uma peça XL para a rua. A quantidade de "monumentos" por metro quadrado é imensa e os eventos/exposições/concertos também estão por toda a parte, uma pessoa só se aborrece se quiser. Porém nem tudo é bonito e por outro lado o extremo entre ricos e pobres faz-se sentir bastante, a quantidade de mendigos nas ruas é enorme e o assédio para comprar produtos ou serviços também é extremo principalmente nas Ramblas e na praia, trazendo uma dose de desconforto.

Em modo turismo destaco-vos locais como MACBA, mais pela "movida" que se dá frente do mesmo, plena em skateres e juventude, se fores de noite terás a sorte de encontrar grupos dançando hip-hop. É cultura urbana em estado puro! Também aconselho o skate park de Les 3 Chamineas de Drassanes. Como lugar mais peculiar e curioso destaco-vos o café/loja "El Bosc de les Fades", um lugar onde a decoração e todo o ambiente envolvente te remete para um espaço mágico e onírico. Búnkeres del Carmel é dos melhores sítios para ver BCN em 360º graus, ainda que cada vez mais invadido pelos turistas. Se vos agrada o mundo da fantasia deem um salto ao Labirinto de Encants onde poderão perder-se ao estilo "Alice no país das Maravilhas". Para concluir, uma subida ao Montjuic no canto inferior de BCN e descida até à Zona Olímpica e praça Espanya.

A língua Catalã é algo que se encontra em todas partes, todos os serviços públicos ou educativos são em Catalão, mas as pessoas adaptam-se se não entenderes. O meu voluntariado tem sido 100% Catalão e isso agrada-me muito porque apesar de ainda não o falar já o entendo bem. Não tenho como não, pois com reuniões de três horas em Catalão se ainda não o entende-se estava bem lixado :)

Este SVE permitiu-me afinar alguns pontos educativos que já vinha trabalhando em Portugal e aguçar esta minha vontade de transmitir conhecimento de um jeito não formal. Várias foram as formações que me possibilitaram, desde lingüísticas a técnicas educativas, e também se faz sentir uma abertura para a aprendizagem de assuntos não tão convencionais. Para além do SVE tive a oportunidade de fazer dois Erasmus+ por aqui, que são outra bolha de experiências dentro desta grande bolha que é o SVE e precisava de um outro artigo para falar deles com calma. O facto de estar numa cidade nova trouxe-me a oportunidade de conhecer uma enorme quantidade de gente nova e com um background muito diferente do meu. Fiz uma boa dose de amizades que já me marcaram para a vida e se por fim não ficar por cá seguramente irei voltar a visitar esta gente. Ao procurar por arte encontrei mais gente colorida que me é querida e um movimento de arte urbana muito ativo, e tudo isto começa a criar uma dúvida a respeito de voltar para Portugal. 

De qualquer forma em Outubro terei que dar um salto por Cascais e agradecer pessoalmente à Rota Jovem ;) Muito obrigado Rota Jovem pela oportunidade que me proporcionaram e a Esplac-Esplais Catalans e o Esplai Torxa por me terem recebido tão bem!

segunda-feira, janeiro 15, 2018

Era uma vez uma experiência de serviço voluntário europeu

 Outubro 2017
Ofereceram-me a oportunidade de testemunhar sobre a minha experiência de serviço voluntário europeu, concluída há cerca de mês e meio. Aceitei, embora ainda tenha alguma dificuldade em expressar-me sobre o assunto. Sinto-me um pouco como o gémeo de Einstein, aquele que seria enviado numa nave espacial a uma velocidade próxima da luz e que ao regressar à terra encontraria o irmão mais velho porque o tempo passaria mais lentamente para quem viajasse a grandes velocidades. Einstein estava certo porque a dilatação do tempo, prevista na Teoria da Relatividade Restrita, veio a ser confirmada: o tempo avança mais devagar num relógio em movimento em relação ao que acontece num relógio em repouso.
A minha viagem de alta velocidade teve início no momento em que dei início aos preparativos para partir, não mais de duas semanas antes do voo. Foi a Rota Jovem a enviar-me. O destino era Pordenone, uma pequena cidade tão desconhecida agora para o mundo como o era para mim há um ano.  A quem me perguntava para onde ia, respondia, “uma pequena cidade perto de Veneza”. Não era mentira, era uma simplificação à qual os próprios pordenonenses recorrem quando se afastam do nordeste italiano. No entanto, não me passa pela cabeça simplificar agora, quando sei melhor. Pordenone é capital de uma das quatro províncias que constituem a região Friuli-Venezia-Giulia, localizada no nordeste italiano, vizinha da Eslovénia e da Áustria e banhado a sul pelo Adriático, incomparável ao nosso mar, que é oceano, mas esse é outro predicado. O que a maior parte das pessoas também não saberá é que a Friuli é guardiã de autênticas gemas naturais de rara beleza, recantos ainda desconhecidos do grande público. Gostaria, talvez egoisticamente, que assim permanecessem.
Evidentemente, não me candidatei a este projecto por Pordenone, ou pelo sonho italiano, que é suficiente para levar tantos jovens voluntários a Itália todos os anos. O projecto, como descrito, consistia genericamente em fazer parte de uma pequena comunidade terapêutica para pessoas com distúrbios mentais, ajudando os seus residentes a percorrer o caminho em direcção à autonomia através da vida comunitária. O que sabia disto? Rigorosamente nada e foi precisamente isso, e um sonho muito muito antigo, já um pouco escondido, de voluntariar no estrangeiro, que originou a minha candidatura. Um ano nesta comunidade, a Casa Ricchieri, foi outra viagem alucinante. Julgo que o facto de quase nada saber, nem mesmo a língua na fase inicial, foi aquilo que manteve a antena de recepção sempre ligada. Isso e as pessoas, claro.
De um lado, os residentes e as suas idiossincrasias no geral, tanto as de carácter como as patológicas, afinal que sentido há em compartimentar seres humanos quando o objectivo base do projecto era precisamente aquele de descompartimentar. Em 1973, Marco, um cavalo de madeira azul, construído nos laboratórios artísticos do quase encerrado manicómio de Trieste, percorreu as ruas da cidade como símbolo da liberdade e humanidade dos doentes mentais. Um ser humano pode estar doente, seja qual for o tipo de doença, e ser simplesmente humano, com a dignidade que lhe é devida porque existe, ponto, como todos as pessoas, de resto. O Marco ainda tem muitas estradas por este mundo fora para palmilhar. Do outro lado, a equipa, os operatori, que me acolheram, me ensinaram continuamente - mesmo quando não se apercebiam de estar a fazê-lo -, com quem partilhei todos os vários momentos, os melhores e os piores, de uma vida em comunidade. Estas comunidades são uma herança basagliana. Franco Basaglia, o psiquiatra responsável pela reforma da psiquiatria na segunda metade do século XX em Itália.  Alegro-me em saber-lhe o nome. A todas estas pessoas, dirijo um eterno agradecimento, por me ajudarem a ver o mundo pela substância, em todas as tonalidades do arco-íris.
Não parti embebida no sonho italiano (o que não significa não ter possuído qualquer interesse na bota da Europa à priori) mas saborei-o enquanto o vivi, desfazendo-me de todos os estereótipos tradicionais - pizza, pasta, máfia - e substituindo-os pela verdade dos meus sentidos. A disparidade entre o norte e o sul é acentuada, em todos os sentidos, desde o económico à cultura da personalidade. Se no sul encontrei a caricatura do italiano aberto, extrovertido, barulhento, no norte encontrei-os mais reservados, talvez temperados pela proximidade às fronteiras europeias. O italiano pode ser a língua nacional mas ignorar o número tamanho de dialectos e línguas usados quotidianamente em todas as regiões do país seria ter caminhado todo o ano de ouvidos tapados. Pessoalmente, tomei um gosto particular ao italiano falado em Pordenone, um pouco veneto, na verdade, e ao friulano da Carnia, a norte, não obstante ser quase tão incompreensível agora como o era há um ano.
Não existe cidade que não tenha recorrido à Santíssima Trindade italiana para nomear as suas vias e praças – Garibaldi, Vittorio Emanuele II e Cavour -, pais da Itália moderna, séculos mais jovem que o nosso pequeno rectângulo, muito mais tranquilo e unido. As cidades são museus vivos de história e arte e as pequenas aldeias, pelo menos as friulanas, são pedras preciosas. A gastronomia italiana é, de facto, de excelência e, segundo os próprios, intocável. A melhor pizza é, sem sombra de dúvida, a napolitana. Os risottos fazem-se a norte, aquecem as noites frias de Inverno. A polenta, meh. A melhor pasta, da Emilia-Romagna para baixo. O canoli siciliano é a sobremesa de deuses. Queijo, queijo, queijo. Pasta all’oglio e peperoncino! Grappa, talvez nunca mais. Cultura do aperitivo, vinhos. O melhor tinto provei-o em Erto. Vin brulé no Natal. Café, Lavazza, da manhã à noite. Trieste e a Piazza Unità, de braços estendidos para o Adriático. Veneza, de noite. Santo António de Pádua, na companhia de espanhóis. Bolonha, das duas torres, dos pórticos, dos segredos, dos jovens. Verona de Shakespeare. O complexo sem cor, Milão, animado pelos encontros e reencontros. Florença de Dante e do Renascimento. A grandeza laranja de Roma. O sol de Inverno de Nápoles e a sua decadência sedutiva. A ameaça silenciosa de Pompeia. O sonho siciliano. Gorizia, cidade fronteiriça, de guerra. Os dolomiti friulanos. O amor em Ileggio. As gravas. As extensas pianuras verdes sem horizonte. Um pouco mais longe, a surpresa de Zagreb e o sossego esloveno. Pordenone, grigio (cinzento) Pordenone.
Foram várias as vezes que olhei para o céu, da janela de casa, e vi-o cinzento, sabendo que começaria a chover a qualquer momento. Sabia, no Inverno, que o frio húmido congelaria até as minhas narinas e que afastar-me da ventoinha durante as tardes de Verão para sair à rua seria o equivalente a um suicídio. Depois, os mosquitos. Não existem mosquitos como aqueles de Pordenone. Dizem que amamos verdadeiramente quando aprendemos a amar os defeitos do nosso companheiro. Terá sido amor? Nunca teria imaginado encontrar numa cidade desta dimensão (50 000 habitantes, sensivelmente), um grupo disposto a acolher todo e qualquer estrangeiro ou pessoa em necessidade de companhia. Diziam saber que não era fácil fazer amigos no norte. Foram os italianos, a história das nações, a anarquia, o melhor café, o sonho colectivo do Porto, as merendas no Tomadini,  a música, sempre a música. O fado, a bossa-nova, a MPB, o jazz  das manhãs, a maldita rtl, o jive, o rock da hora de almoço, as velhas baladas italianas, a semana dos blues.
Foi sobretudo a oportunidade partilhar casa com as pessoas certas. Não havia sensação tão familiar como chegar a casa nos primeiros quatro meses e encontrar a Maria, portuguesa, na cozinha, a contas com o vegetarianismo; ouvir rock espanhol e flamenco todos os fins-de-semana acompanhados pelo trautear incessante da Zulema, o furacão que complementava a minha tranquilidade; as experiências “pseudo-asiáticas-francesas” na cozinha da Elodie, que provavelmente não seriam nada de especial mas eram sempre deliciosas, e o verdadeiro crepe da despedida; os nossos hóspedes, uns da casa, que entravam e saíam quando queriam, outros de uma noite, para desenrascar; os fantasmas que inventamos, aqueles que lá estariam de facto e a companheira de quatro patas que nunca existiu.

Era uma vez uma experiência de serviço voluntário europeu. Intensa e, por isso, fugaz. O tempo passou, diz-me o calendário civil, mas não o sinto. Uma suspensão, como aquela das partituras. Um respirar fundamental. Não tenho conselhos. Quem tem de partir, parte sempre. Só me resta agradecer por tudo, a todos. Até uma próxima.

Blog da Mariana - https://grigiopordenonept.wordpress.com/