Verão é em Portugal
sinónimo de festivais. São dias em que o sol acompanha com a sua luz a música e
as danças, são dias de partilha e de diversão. E, às vezes, são também dias em
que a tradição e a vanguarda vão de mão dada. Dias em que os espaços se enchem de
público que passa a ser artista e onde o tradicional se torna contemporâneo. Isto
é o que acontece em cada ano no Andanças, em que a dança, a
sustentabilidade e o voluntariado se unem para dar impulso à reafirmação
pessoal através da cultura própria e à revitalização de zonas rurais do país. E
isto é o que aconteceu também este ano.
Durante sete dias no
início deste Agosto que já está a chegar ao fim, o Alto Alentejo encheu-se de
pessoas de todas as idades e procedências dispostas a divertirem-se e
sobretudo, a dançar, dançar e dançar. Grupos tradicionais de Portugal e do
estrangeiro foram os encarregados de guiar os amantes da dança na descoberta de
diferentes formas de abanar o capacete cá dentro e lá fora num espaço livre de todo o
artifício que nos transporta à nossa mais pura essência e nos coloca em contato
direto com a natureza. De facto, como reconhece Ana Martins, coordenadora da Pé de Xumbo (associação
organizadora do festival), para além do objetivo de "pegar na tradição
portuguesa e devolvê-la às pessoas enquanto território de vivências e de
crescimento identitário" com que o projeto nasceu em 1997, o espaço de
Castelo de Vide em que o Andanças dançou nesta edição pelo segundo ano
consecutivo "estava a pedir construções sustentáveis".
E Ricardo Fernandes
ofereceu-as. Com uma experiência prévia baseada em cursos, em pequenas
colaborações como voluntário e numa estadia numa quinta de permacultura em
Sintra, Ricardo apresentou um projeto em que Ana acreditou desde o primeiro
momento. “O objetivo era as pessoas sentirem que isto lhes pertence e que faz
parte da vida deles, criar laços, e nisso é que estivemos a trabalhar, numa
estrutura permanente para alojar aos artistas que participam no Andanças e que acompanhará
o festival também nas próximas edições”. Para Ricardo foi, ademais, a
oportunidade de criar algo de raiz e até ao fim. “Há dois anos vi que era
preciso arranjar alternativas para aquilo acho que está errado hoje em dia. A
nível de construções, por exemplo, tenho a impressão de que nas cidades vivemos
como em prateleiras de supermercado, as pessoas passam a ser produtos”. É
assim que decidiu aprender a trabalhar com materiais naturais, para “conhecer e
saber adaptar-me aos materiais que tenho à volta”, e é assim que a casa em
Castelo de Vide começou a tomar forma. “A ideia é uma coisa, mas depois tu tens
de te adaptar ao espaço, ao material que existe e aos recursos naturais disponíveis”. E o material existente eram pneus, assim que de
algo a priori inservível e altamente contaminante surgiu a estrutura para os
muros de uma casa que nasceu de forma experimental mas com vontade de
permanência e que agora destila vida e alegria em sintonia com o ambiente do festival.
Mas Ricardo não tem
estado sozinho na tarefa de tornar numa realidade tridimensional o que até há
pouco tempo era apenas um desenho num caderno. Com ele trabalharam quinze
pessoas de forma rotativa e voluntária, desde o mês de Junho e até o início do
festival. “Com grupos de 4-5 pessoas o trabalho é ótimo”, reconhece, porque
“trabalhar em grupo é muito reconfortante. As pessoas sentem-se à vontade e o
trabalho flui mesmo”. Sócio ativo da Rota Jovem desde há dois anos, Ricardo
está agora implicado na fundação de Ginjões de Baixo, uma
associação juvenil sem fins lucrativos que visa promover a bioconstrução, os
conceitos de permacultura e um estilo de vida saudável e conectado com a
natureza. Construir casas, produzir alimentos de forma local e biológica, usar
os produtos que estão à nossa volta e, sobretudo aprender e transmitir toda a
experiência que supõe a cooperação com a natureza são os pilares que movem a um
grupo de jovens que acreditam em outra maneira de fazer as coisas e no
potencial de Portugal como cenário para a mudança de paradigma. “A oportunidade
para cooperar com o pessoal de Ginjões surgiu através de uma atividade de
fim-de-semana da Rota Jovem. Eles estavam a tentar construir a sua própria
comunidade no Baixo Alentejo e agora queremos abrir ao público e fazer
atividades e workshops para difundir a mensagem e fazer ver que é possível
materializar o pensamento verde com base na sustentabilidade”.
E este é, claro, também
o espírito do Andanças. À sustentabilidade unem-se o voluntariado e o interesse
pela comunidade e o relacionamento. “O Andanças é acima de tudo um festival de
voluntários a todos os seus níveis, e é um evento que apoia também o lado
local. Acreditamos na troca e partilha na medida justa, na criação de riqueza
das populações e no consumo local”, assinala Ana. Tudo isto sem esquecer a
mediação artística e todo o trabalho contínuo de investigação e recuperação da
tradição que agora se plasma, para além de no próprio festival, na recentemente
criada web A Dança Portuguesa a Gostar dela Própria. São assim
precursores do movimento para tornar o tradicional contemporâneo que está mesmo
na base do Andanças. "Nós iniciamos na Europa a forma de estar, misturar e
fundir as coisas. O objetivo é a internacionalização, porque há muitos músicos
que não conseguem encontrar mercado". Este é o espírito com que a Pé de
Xumbo não deixa de trabalhar para preparar já a próxima edição do festival,
conscientes de que “falta ainda fazer muita coisa” mas satisfeitos pelo longo
caminho percorrido para o reconhecimento da dança como instrumento de mediação
e valorização da identidade que, pelos vistos, tão bem tem calado em Portugal. Para
já, o festival tem deixado a sua pegada permanente em Castelo de Vide em forma
de uma casa que ficará para sempre como testemunha de andanças e reuni ões com a música tradicional como pano de fundo.
Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso. |
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