segunda-feira, agosto 25, 2014

Dançar, dançar, dançar e... construir

Verão é em Portugal sinónimo de festivais. São dias em que o sol acompanha com a sua luz a música e as danças, são dias de partilha e de diversão. E, às vezes, são também dias em que a tradição e a vanguarda vão de mão dada. Dias em que os espaços se enchem de público que passa a ser artista e onde o tradicional se torna contemporâneo. Isto é o que acontece em cada ano no Andanças, em que a dança, a sustentabilidade e o voluntariado se unem para dar impulso à reafirmação pessoal através da cultura própria e à revitalização de zonas rurais do país. E isto é o que aconteceu também este ano. 

Durante sete dias no início deste Agosto que já está a chegar ao fim, o Alto Alentejo encheu-se de pessoas de todas as idades e procedências dispostas a divertirem-se e sobretudo, a dançar, dançar e dançar. Grupos tradicionais de Portugal e do estrangeiro foram os encarregados de guiar os amantes da dança na descoberta de diferentes formas de abanar o capacete cá dentro e lá fora num espaço livre de todo o artifício que nos transporta à nossa mais pura essência e nos coloca em contato direto com a natureza. De facto, como reconhece Ana Martins, coordenadora da Pé de Xumbo (associação organizadora do festival), para além do objetivo de "pegar na tradição portuguesa e devolvê-la às pessoas enquanto território de vivências e de crescimento identitário" com que o projeto nasceu em 1997, o espaço de Castelo de Vide em que o Andanças dançou nesta edição pelo segundo ano consecutivo "estava a pedir construções sustentáveis".  

E Ricardo Fernandes ofereceu-as. Com uma experiência prévia baseada em cursos, em pequenas colaborações como voluntário e numa estadia numa quinta de permacultura em Sintra, Ricardo apresentou um projeto em que Ana acreditou desde o primeiro momento. “O objetivo era as pessoas sentirem que isto lhes pertence e que faz parte da vida deles, criar laços, e nisso é que estivemos a trabalhar, numa estrutura permanente para alojar aos artistas que participam no Andanças e que acompanhará o festival também nas próximas edições”. Para Ricardo foi, ademais, a oportunidade de criar algo de raiz e até ao fim. “Há dois anos vi que era preciso arranjar alternativas para aquilo acho que está errado hoje em dia. A nível de construções, por exemplo, tenho a impressão de que nas cidades vivemos como em prateleiras de supermercado, as pessoas passam a ser produtos”. É assim que decidiu aprender a trabalhar com materiais naturais, para “conhecer e saber adaptar-me aos materiais que tenho à volta”, e é assim que a casa em Castelo de Vide começou a tomar forma. “A ideia é uma coisa, mas depois tu tens de te adaptar ao espaço, ao material que existe e aos recursos naturais disponíveis”.  E o material existente eram pneus, assim que de algo a priori inservível e altamente contaminante surgiu a estrutura para os muros de uma casa que nasceu de forma experimental mas com vontade de permanência e que agora destila vida e alegria em sintonia com o ambiente do festival.


Mas Ricardo não tem estado sozinho na tarefa de tornar numa realidade tridimensional o que até há pouco tempo era apenas um desenho num caderno. Com ele trabalharam quinze pessoas de forma rotativa e voluntária, desde o mês de Junho e até o início do festival. “Com grupos de 4-5 pessoas o trabalho é ótimo”, reconhece, porque “trabalhar em grupo é muito reconfortante. As pessoas sentem-se à vontade e o trabalho flui mesmo”. Sócio ativo da Rota Jovem desde há dois anos, Ricardo está agora implicado na fundação de Ginjões de Baixo, uma associação juvenil sem fins lucrativos que visa promover a bioconstrução, os conceitos de permacultura e um estilo de vida saudável e conectado com a natureza. Construir casas, produzir alimentos de forma local e biológica, usar os produtos que estão à nossa volta e, sobretudo aprender e transmitir toda a experiência que supõe a cooperação com a natureza são os pilares que movem a um grupo de jovens que acreditam em outra maneira de fazer as coisas e no potencial de Portugal como cenário para a mudança de paradigma. “A oportunidade para cooperar com o pessoal de Ginjões surgiu através de uma atividade de fim-de-semana da Rota Jovem. Eles estavam a tentar construir a sua própria comunidade no Baixo Alentejo e agora queremos abrir ao público e fazer atividades e workshops para difundir a mensagem e fazer ver que é possível materializar o pensamento verde com base na sustentabilidade”.

E este é, claro, também o espírito do Andanças. À sustentabilidade unem-se o voluntariado e o interesse pela comunidade e o relacionamento. “O Andanças é acima de tudo um festival de voluntários a todos os seus níveis, e é um evento que apoia também o lado local. Acreditamos na troca e partilha na medida justa, na criação de riqueza das populações e no consumo local”, assinala Ana. Tudo isto sem esquecer a mediação artística e todo o trabalho contínuo de investigação e recuperação da tradição que agora se plasma, para além de no próprio festival, na recentemente criada web A Dança Portuguesa a Gostar dela Própria. São assim precursores do movimento para tornar o tradicional contemporâneo que está mesmo na base do Andanças. "Nós iniciamos na Europa a forma de estar, misturar e fundir as coisas. O objetivo é a internacionalização, porque há muitos músicos que não conseguem encontrar mercado". Este é o espírito com que a Pé de Xumbo não deixa de trabalhar para preparar já a próxima edição do festival, conscientes de que “falta ainda fazer muita coisa” mas satisfeitos pelo longo caminho percorrido para o reconhecimento da dança como instrumento de mediação e valorização da identidade que, pelos vistos, tão bem tem calado em Portugal. Para já, o festival tem deixado a sua pegada permanente em Castelo de Vide em forma de uma casa que ficará para sempre como testemunha de andanças e reuniões com a música tradicional como pano de fundo.



@ arrotante do momento!:
ELENA Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso.

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