quinta-feira, agosto 28, 2014

O assédio sexual, um mal sistémico

O assédio no local de trabalho é, segundo a definição da Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE), "um comportamento indesejado praticado com algum grau de reiteração e tendo como objetivo ou o efeito de afetar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador", e pode ter caráter moral ou sexual. Com um mundo do trabalho que reflete o forte assentamento na sociedade da desigualdade de género e que tem nas sempre inquietantes diferenças salariais entre homens e mulheres a sua máxima expressão, não é estranho que o assédio sexual continue a ser um grande problema nas relações laborais ainda hoje. E embora seja uma questão investigada desde há já trinta anos em vários países ocidentais, o assédio continua também a ser uma questão maioritariamente desconhecida que segue a criar controvérsia e que se estende também a outros âmbitos da vida das pessoas. Assim, como reconhece Cláudia Múrias, psicóloga social e coordenadora do projecto "Assédio Sexual. Quebrar Invisibilidades. Construir uma Cultura de Prevenção e Intervenção" na UMAR, se bem que o assédio sexual "não exista apenas no âmbito do trabalho, na medida em que todas as pessoas estão inseridas num sistema em que precisam de trabalhar e têm direito a um ambiente de trabalho ótimo, é ai que o assédio é mais facilmente criminalizável". 

Projecto Assédio Sexual: Quebrar Invisibilidades, financiado pelo POPH/QREN

Os diversos estudos sobre esta questão assinalam que a assunção do patriarcado como estrutura social em que estamos inseridos é o marco que permite pôr nome a algo que antes simplesmente não o tinha e faz possível questioná-lo enquanto fenómeno grupal a nível tanto laboral como sistémico. Porque esta é precisamente uma dimensão do problema de que muitas vezes nos esquecemos mas que está na base da sua gravidade na medida em que acarreta a debilidade da posição social dos indivíduos no grupo afetado. "É uma discriminação de sexo. O padrão social que discrimina e é aceite por ambos os sexos não é questionado, não é considerado como estranho, e por isso não há dúvida de que é algo estrutural", reflete Múrias, que garante que "o determinante não é o diferente sexo da vítima, mas a perpetuação de estereótipos de género. Há uma dimensão sistémica enquanto se  reforçam os papéis masculinos e femininos". Isto encontra a sua explicação nos códigos de conduta e nos comportamentos normativos e proibitivos para os sexos em função dos quais a sociedade está organizada e que condicionam as relações interpessoais.

A este problema une-se, apara além disso, a falta de autonomia e independência das mulheres que se vê aumentada pela atual precarização das condições de trabalho e o recuo nos direitos laborais que as afetam em maior medida que aos homens. A UMAR está consciente de que para muitas mulheres o assédio sexual faz parte das condições de trabalho, como a violência doméstica fazia parte do casamento. "Elas acham que não há opção, que têm de lidar com esta violência e aceitá-la, interiorizá-la e negá-la mas têm de se aperceber que não é assim. A mulher portuguesa é muito pouco empoderada e a pobreza progressiva que nos assola não permite dar voz às pessoas, e é muito difícil mudar as coisas". É por isso que é importante trabalhar para o empoderamento das mulheres e para incrementar a sua presença no espaço público e conseguir assim uma mudança de paradigma.

Contudo, é importante ter em conta que à medida que os homens saem do patamar estabelecido e há uma maior democratização e identificação com outros padrões, eles também passam a ser vítimas de assédio, "mas é um assédio que parte de outros homens e que na maioria dos casos é contra homens homossexuais, porque há uma associação ao género e não ao erotismo". É mais uma vez uma discriminação de sexo baseada no reforço dos estereótipos. Sendo assim, é preciso colocar limites para que a igualdade seja de direitos e não de violência, seja qual for o âmbito em que o assédio se produz e seja qual for o sexo da vítima. "Em muitos casos de violência no namoro, as raparigas sentem-se empoderadas e batem nos seus namorados. Não há noção dos limites e toda a gente passa a poder bater em toda a gente. É isso que temos de mudar". A educação parece ser a chave para combater um problema que embora esteja profundamente introduzido na sociedade, ainda se pode resolver. Neste sentido, Cláudia Múrias e a UMAR olham o futuro não apenas com realismo mas também com certo otimismo. "As mulheres estão educadas para não serem protagonistas, para protegerem-se do mundo e para serem olhadas e avaliadas pela sua beleza a todo o tempo. Se conseguirmos mudar isso, teremos grande parte do caminho andado". E este é, sem dúvida, um caminho que bem merece ser percorrido.

@ arrotante do momento!:
ELENA Dizem os que a conhecem que a Elena é obcecada e inquieta, mas também entusiasta e perfeccionista. Ela, que também se conhece um bocadinho, diz que é, sobretudo, curiosa. É por isso que gosta de espreitar, de escrever, de experimentar. É por isso que adora cinema, leitura, viagens. E, se calhar, é também por isso que é voluntária, porque há poucas maneiras melhores para descobrir e pôr-se a prova do que isso.

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